Carreiras & Perfis

A Dama da Cachaça

A Fabulosa Katia Espírito Santo

Por
Redação

4/10/2025

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Katia Espírito Santo e a sua Cachaça da Quinta, vencedora de prêmio mundial em 2013 Foto: Leo Martins / Agência O Globo

 

A Cachaça da Quinta 

Primeiro destilado brasileiro a receber a Grand Gold Medal do Concours Mondial de Bruxelles. Nesse ano em curso, a Cachaça da Quinta completa 100 anos de produção pela mesma família: avô, filho e neta.

A destilaria é localiza na Fazenda da Quinta, município do Carmo, localidade menos elevada da região serrana do estado do Rio de Janeiro, e contígua ao rio Paraíba do Sul, com vales amplos, protegidos por montanhas, que abrigam a agricultura sustentável, com uso zero da agroquímicos sintéticos.

Em 1923, a Fazenda da Quinta foi comprada pelo imigrante português, Francisco Lourenço Alves. Desde então, entre as diversas atividades rurais, a cafeicultura prosseguiu por mais um tempo, substituída pela agricultura diversificada e a criação de gado para leite e para corte, além da tradicional produção de cachaça, que lá existia desde os primórdios da antiga sesmaria, na segunda década do século XIX.

Em inícios dos anos 1950, Francisco tornou-se prefeito do Município, deixando a propriedade e a fábrica a cargo do seu filho José Ramos Alves, que se tornou o herdeiro e sucessor desse núcleo central da propriedade original, terras, sede e fábrica de cachaça.

Nos anos iniciais do presente século, José convenceu sua filha Katia Alves do Espírito Santo a se ocupar da produção da Cachaça da Quinta, com seus argumentos e ensinamentos, ciente dos fortes vínculos familiares da filha e do seu caráter empreendedor. O passo seguinte dela, foi frequentar cursos e se qualificar para a nova atividade produtiva e empresarial. Na sequência, reformou e reequipou a fábrica. Com tudo bem estruturado, a primeira produção conduzida por ela ocorreu em 2007.

A empresa assumiu a missão de produzir excelência para os sentidos, com o rigor da tradição, ciência e técnica, com a visão empresarial de posicionamento da marca e seu produtos junto a consumidores exigentes do segmento premium de destilados, colocando em destaque os valores de sustentabilidade ambiental, entre as quais uso zero de agroquímicos sintéticos e ações de regeneração ambiental, além de práticas sociais e de gestão adequadas.

A empresa possui protocolos rigorosos de qualidade para o controle dos processos e produtos: desde os canaviais - com uso exclusivo de adubos advindos da natureza (calcário, sulfato de potássio e fostato) e práticas de manejo adequadas, como o uso da palha e ponteira da cana para proteção do solo, capinas e roçadas da vegetação concorrente - até o produto final, nos mais altos níveis sensoriais e laboratoriais. Outro aspecto central à empresa, diz respeito à capacitação continuada e constituição de um corpo de profissionais comprometidos com o esmero requerido para produtos de excelência. Soma-se o fato de a identidade visual e as embalagens da Cachaça da Quinta serem modernas e esteticamente apreciadas e, ao mesmo tempo, remeterem sobriedade e tradição, destacadas pela leveza marcante, em linguagem discreta e bem elaborada.

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Cachaça da Quinta. Foto: via instagram @cachacadaquinta_oficial

A marca e seus produtos mantêm o vínculo forte com os clientes tradicionais, que prosseguem se reconhecendo e valorizando a marca e seus produtos, uma sínteses coesa de tradição e renovação.

Ao manter a identidade original dos produtos e introduzir rigorosos padrões internacionais de controle da qualidade, a marca alcançou sua ampliação, com novos consumidores, acostumados à qualidade dos melhores destilados do mundo, para além dos exigentes clientes tradicionais da marca.

Tradição e renovação consistentemente possibilitaram à marca e às versões da Cachaça da Quinta o pertencimento destacado no segmento premium de destilados de centros urbanos como Rio e São Paulo, além de ser exportada para mercados maduros e exigentes como Taiwan, Japão e França. A Fazenda da Quinta, em parceria com a empresa americana Avuá, também produz e exporta a Cachaça Avuá, para os Estados Unidos e outros mercados internacionais.

As premiações da Cachaça da Quinta são bem conhecidas em concursos de destilados. No Spirits Selection do Concours Mondial de Bruxelles, além de várias medalhas, que colocam seus produtos na lista dos melhores destilados do mundo, a Cachaça da Quinta tornou-se o primeiro destilado brasileiro condecorado com a Grand Gold Medal

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Lote da premiada Cachaça da Quinta armazenada em tonel de Carvalho - Concours Mondial de Bruxelles 2018 - Grand Gold Medal. Foto: via instagram @cachacadaquinta_oficial

No plano nacional, somam-se medalhas do Concurso de Destilados do Brasil, organizado pela Market Press; bem como as premiações do Ranking Cúpula da Cachaça, divulgado pelo Jornal Estado de São Paulo, que, em sua última edição, auferiu o primeiro lugar à Cachaça da Quinta – Branca, com a maior pontuação entre todas as demais categorias do concurso. Até então, nunca uma cachaça branca havia atingido nota maior do que cachaças envelhecidas. Essa primeira vez foi com a Cachaça da Quinta – Branca.

Em resumo, demarcam a origem tão especial da Cachaça da Quinta: sua localização e condições de solo, clima, microclima; as práticas adequadas de cultivo e preservação ambiental; o uso zero de agroquímicos; o conhecimento secular e o domínio do saber técnico e tecnológico; o trabalho qualificado de pessoas muito dedicadas e rigorosas.

Mulher empresária

Katia Alves Espírito Santo, proprietária e gestora da Cachaça da Quinta, e representante do setor da cachaça.

Como tudo começou?

Há uma longa história familiar que me precede. Meu avô comprou, em 1923, a Fazenda da Quita, com sua fábrica de cachaça em funcionamento. A partir de começo dos anos 50, meu pai, José Ramos Alves, assumiu a produção. Uma década antes de falecer, ele me incentivou a assumir essa tradição e me introduziu no conhecimento tradicional desse universo produtivo. Na bagagem, eu já carregava experiência em pesquisa e gestão, o que me ajudou a formatar e conduzir o negócio.

Antes de me tronar empresária e produtora da Cachaça da Quinta, exerci outra atividade profissional, a fonoaudiologia, por mais de vinte anos. Por volta de 2001, meu pai começou a me incentivar a prosseguir com a tradição familiar de produção de cachaça, iniciada pelo meu avô. Mesmo ainda sem me enxergar naquela atividade, que não dominava em conhecimento nem experiência, em atenção ao meu pai, comecei a ouvi-lo e a sistematizar os ensinamentos dele, enquanto o visitava. Com essa bagagem aprendida com ele, busquei cursos e consultores especializados, para me qualificar bem. A seguir, redesenhei e reformei a fábrica, adequando-a aos mais rigorosos padrões de produção e controle.

Você é uma empresária do agronegócio, como optou pelas práticas sustentáveis?

Por questão de valores da minha formação pessoal e que foram assumidos e praticados pela empresa: sustentabilidade ambiental; uso zero de agroquímicos sintéticos; privilegiar o uso de energias renováveis; ações de preservação e regeneração ambiental; práticas sociais e de gestão adequadas.

Para grandes parcelas da população brasileira, o termo Agronegócio, assume um sentido ideológico muito negativo, como sinônimo de depredação ambiental, monocultura, uso indiscriminado de produtos químico, exploração do trabalho etc. Na realidade, grandes, médias e pequenas empresas avançaram e avançam muito em termos ambientais, o que é um ativo importante para o meio ambiente e para as empresas. Mas como em qualquer parte do planeta, coexistem práticas ruins e outras muitas e excelentes. Há entretanto preconceitos sedimentados, a sociedade brasileira em geral não reconhece que a Agronegócio envolve todas as atividades rurais de empresas de diferentes portes e de diferentes níveis de comprometimento e de responsabilidade ambiental: grande, médio, pequeno e micro, incluindo a agricultura familiar.

Na minha empresa, a questão ambiental é um valor intrínseco praticado de forma cotidiana. Adotei práticas de manejo do solo, preservação e regeneração ambiental. Mantive a energia mecânica da roda d’água para a moagem da cana, e mais recentemente, implantei sistema de geração de energia solar, que abastece toda a fábrica e a propriedade rural, além de gerar excedente para rede elétrica.

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Fábrica da Cachaça da Quinta Foto: via instagram @cachacadaquinta_oficial

É um conjunto de valores, de práticas, de controles de produção e de gestão mais ampla, que nos permitem realizar nosso trabalho e contribuir com a sociedade e o ambiente.

2023 é o ano do centenário da Cachaça da Quinta?

Meu avô, Francisco Lourenço Alves, imigrante português, adquiriu a Fazenda da Quinta, em 1923, mas, antes dele, lá já se produzia cachaça, desde a antiga sesmaria, que data da segunda metade do século XIX, pelo menos 100 anos antes do meu avô comprar a propriedade. Mas optamos por oferecer esse recorte familiar, mais próximo, do que construímos em família nesse últimos 100 anos.

O centenário que comemoramos é uma referência à tradição da família, através da sucessão avô, filho e neta, na produção da Cachaça da Quinta, de 1923 a 2023.

Mulher representante do setor da cachaça 

O setor da cachaça precisa desenvolver cada vez mais a capacidade de diálogo e encontrar caminhos e soluções capazes de colocar a cachaça como uma categoria forte de destilados, com a sua multiplicidade de ofertas. Ao mesmo tempo, o problema do alcoolismo aflige muitas pessoa, famílias e a sociedade. Lidar com problemas reais não é tarefa fácil. Precisamos explicitar para a sociedade que “álcool é álcool’, ou seja, consumir bebidas de baixo teor alcoólico em doses elevadas, pode ser mais prejudicial do que consumir uma pequena dose de uma bebida com teor de álcool maior. São conhecimentos importantes para a pessoa dosar o consumo de álcool, com responsabilidade e proteção à saúde.

Ninguém vai proibir o comercio de sal ou açúcar pq em doses elevadas são prejudiciais a saúde. Mas cabe à sociedade, informar a respeito desses temas. Voltando ao nosso tema, não há sociedade que não valorize e comercialize seus destilados. Esse limite tênue entre produzir, comercializar e precaver-se de danos pessoais e sociais não é questão fácil de responder. Requer conhecimento, comunicação adequada, maturidade, equilíbrio e sensatez.

Além da minha empresa, dedico grande parcela de tempo e trabalho à governança setorial, de modo a contemplar questões empresarias que não se solucionam no interior da empresa ou na sua comercialização.

Entre as funções e cargos que exerço, destaco: (i) presidente da associação de produtores de cachaça do estado do Rio de Janeiro, Apacerj-Cachaças do Rio, encontro-me no 4a mandato; (ii) vice- presidente do conselho deliberativo do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac); (iii) membro da Câmara Setorial da Cachaça do Ministério da Agricultura; (iv) diretora do sindicato de bebidas, Sindibebi-RJ; (iv) conselheira do Conselho de Agronegócios, Alimentos e Bebidas da Firjan.

O setor da Cachaça vem ganhando muito com vozes femininas, competentes, qualificadas e que trazem novos olhares e enfoques, quebrando a hegemonia de um modo de pensar e agir tipicamente masculinos. Elas demarcam sua posição com profissionalismo, acrescentando conhecimento técnico, inovando com governança firme e sensível. A propensão ao diálogo de muitas mulheres que atuam no setor, ajuda a construir a polidez entre os pares e o diálogo construtivo, a racionalidade mais reflexiva e efetiva no setor, com argumentos e ângulos de visão que passavam descuidados antes, por muitos homens contundentes demais, propensos de menos ao diálogo. Espero não ter sido reducionista com esse exemplo.

Mulher na liderança

A minha criação me favoreceu na vida, pois desde cedo fui educada para ser responsável, atuante, persistente nos intentos e dedicada a buscar a qualidade do fazer. Meus pais me encorajavam como pessoa, aprendi cedo que o fato de ser mulher, não me diminuía; por outro lado, aprendi também a me posicionar, conquistar meus papéis e alcançar os resultados que pretendia. Foi assim, que minha força interna foi sendo edificada e que me preparei para a convivência e a vida profissional.

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Katia Espírito Santo empresária e produtora da Cachaça da Quinta Foto via Estadão

Vozes femininas de mulheres do meu cotidiano, da história e da literatura, contribuíram na minha formação. Com muitas delas aprendi a ser firme, determinada, reflexiva, solidária e dedicada. Outras, me inspiraram a nunca aceitar opressões de gênero, me ajudando a compor esse traço muito singular da minha personalidade. Algumas estarão sempre presentes, a ponto de reconhecer em mim, as atitudes da minha mãe e os ditos de tantas professoras. Mas, é a partir da família e da convivência social com homens e mulheres, que construímos e desenvolvemos a nossa personalidade, experiência e modo de nos posicionar no mundo.

Tenho características pessoais que atenuam meu lado focado no trabalho, pois me considero uma pessoa solidária. Tenho uma vida profissional intensa, mas que marido, meus dois filhos e minha filha respeitam e valorizam. Os amigos também compreendem, pois sabem que compareço pelo menos quando é preciso.

Ainda consigo um pouco de tempo, para a leitura, pois gosto de conhecer e analisar o mundo em suas múltiplas perspectivas, humanas e sociais. Encontro em obras literárias primorosas, de diferentes áreas, sínteses tão precisas, que comparo à exatidão requerida para as estratégias e decisões empresariais. Campos que parecem tão dispares encontram seu ponto de contato na precisão do que se quer comunicar ou fazer. Gosto também das digressões bem fundamentadas dos ensaios, pois remetem à inovação. E, claro, na minha perspectiva pessoal e empresarial, tradição, exatidão, leveza de boas síteses e renovação estão sempre entrelaçadas.