Beleza & Bem-Estar

A Sabedoria das Senhoras do Mundo

Por
Luzia Santhana

4/9/2025

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As mulheres sábias mudam o mundo. Em silêncio, mudam a história.

O que mais me atrai nessas entidades é que são dotadas  de um instinto maternal de defesa, que brota em momentos tensos, de coragem, nos piores perigos, e uma riqueza incalculável de memórias ancestrais, passadas de mães para filhas e principalmente pelas avós.

O que as distingue?  

Sou apaixonada pelas minhas avós. Passei tardes inteiras escutando suas histórias com uma curiosidade de arquivar em minhas memórias, tudo que elas tinham para nos contar, Dona Mariinha era uma fortaleza, matriarca, imperiosa e carinhosa. Suas comidas eram poções mágicas que nos escravizavam. Suas palavras escorregavam pelos nossos ouvidos, até o coração, e eu sentia vibrar, cada detalhe de seus relatos do passado. Talvez tenha encontrado em mim uma interlocutora mais curiosa, e me deu uma especial atenção. Aquela soberana povoou meus pensamentos de um conservadorismo religioso, ético, generoso, rígido. E eu já entendia que aqueles gestos de avó  severa, apesar de não concordar, eram atitudes sábias.

Dizia que podíamos brigar com irmão, pai, mãe, marido... O que não podíamos, era ir dormir sem dar boa noite, porque a noite, no escuro, a raiva se agiganta, e sem a prévia manifestação de amor inciondicional, antes do sono, nunca mais seríamos unidos.

Sábia quando, com o olhar, controlava nossas más palavras e gestos inconvenientes. Sábia na hora de irmos para a cama, e nos dava a bênção com um beijo, e uma explicação para os acontecimentos do dia.

O que seria  de minha força, sem a força que ela me passou?

Minha avó paterna era  uma senhora elegante e moderna. Fazia uma paradoxo com Dona Mariinha, fumava em minha frente, o que ela não deixava ninguém ver, e me estimulava a ser livre, ser o que eu quisesse ser. E eu queria ser artista.

As diferenças entre as duas me trouxeram equilíbrio, mas sempre com uma super valorização de suas palavras, seus exemplos.

Talvez seja esse, o motivo, de me afinar tão bem com senhoras mais velhas.

Tenho amigas com quem falo todos os dias, que me dão lições diárias de entendimento da vida, e até de resistência e defesa, em situações do cotidiano, colocando um filtro e tirando o filtro, evitando o que não faz bem, isolando o que não concordo.

Dona Zélia Gattai foi uma dessas senhoras sábias que tive a sorte de privar da amizade, mesmo sendo em esporádicos encontros, mas todos, muito profundos. Testemunhei em sua casa na nossa primeira entrevista, sua candura e inteligência amorosa, para criar ao lado de seu jorge, amado, parceiro, marido, amigo; um mundo original, leve, ágil e bem humorado. Era lindo de se ver!

Foi ela a primeira entrevistada do nomes. O programa que criei e montei com amigos e alguns dos melhores profissionais da mídia no ano 2000, na bahia.

Dona Zélia, numa tarde, sentadas nas cadeiras de espera dos carros, no supermercado, não titubeou em aceitar meu convite.  Essa forma sábia de dizer; gosto de você, mudou o meu mundo, dando força ao momento da partida solo.

Mas nessa altura, eu já tinha uma amizade inspiradora com Dona Canô, que fez comigo uma coleção de entrevistas ao longo dos 18 anos iniciais do nomes, e me estimulou a prosseguir na tv desde os anos 80, quando ia anualmente à festa de santo amaro, e aos seus aniversários.

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Dona Canô (1907-2012) , mãe de Maria Betânia e Caetano Veloso.

Quando lhe perguntei se sentia orgulho pelos filhos ilustres, ela me respondeu: nunca devemos sentir orgulho, (que tira a modéstia) luzia, devemos sentir, felicidade.

Tenho frases e histórias que ouço de minhas amigas, Dona Ania billian, e Dona Karen bernsee, as duas matriarcas brancas de praia do forte, e de natí, uma sacerdotisa nativa, que me alertam e aconselham nesse nosso pequeno paraíso litorâneo.

O mundo que as sábias controlam, mesmo através de seus companheiros, ou filhos, ou alunos, ou em suas manifestações que parecem invisíveis, arrefecem guerras, unem famílias, protegem a humanidade com amor, que é a única forma possível de continuar.

Essas mulheres sábias, nos ensinam que tudo pode dar certo, se tomarmos as rédeas do que nos é importante,, e que nós, mulheres, temos o dom de reparar o nosso cotidiano, nossas famílias, com atitudes fortes e corajosas, e que esse domínio da força que possuímos, e que muitas de nós não percebemos, está aqui dentro de cada uma, nos tornando deusas de nós mesmas, e de nosso mundo. 

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A escritora, fotógrafa e memorialista Zélia Gattai, na foto com seu marido, o também escritor Jorge Amado em 1946.